domingo, 8 de agosto de 2010

Eu, o Tatu, e um beijo

Em 2003, uma certa música chamada All the Things She Said começou a ser muito tocada por aí. Gostei dela já na primeira vez que ouvi. E como curtia a música pra caramba, eu fui atrás para saber quem é que tocava. Descobri que era de uma banda, na verdade uma dupla de duas mulheres, chamada Tatu.
Na hora eu pensei: Tatu? Que diabo de nome é esse? Se fosse Tamanduá até que dava, mas Tatu?
Achei estranho, mas nem dei muita bola. Como eu tava a fim de ver como aquelas meninas eram, fui tentar ver o clip da música.
Naquela época não tinha Youtube, então a gente esperava os clipes passarem numa coisa que quase ninguém mais usa hoje, que se chama MTV. Numa bela noite eu estava lá em casa dormindo acordado, sentado no sofá e passando os canais sem nem olhar direito. Quando eu passei na MTV, comecei a reconhecer os acordes de All The Things She Said. Aí eu acordei direito e abri bem os olhos, pra não perder nenhum detalhe. Finalmente eu iria descobrir como aquelas meninas eram. E uma das cenas que vi naquela clipe marcaria a minha vida para sempre. É a partir do 1:20.



Quando eu vi isso, eu era apenas um moleque de 13 anos. Então, imagine: um moleque de 13 anos vendo pela primeira vez duas mulheres lindas vestidas de colegial beijando na boca. O resto é lógica. Pra resumir: eu fiquei doido com aquilo. Naquele momento eu senti coisas no meu corpo que eu nem sabia o que era, ou como eu deveria lidar com aquilo. E também comecei a imaginar coisas que eu nem sabia que existiam.
Dali pra frente, eu não pensava em outra coisa que não fosse aquelas duas meninas. Descobri que elas se chamavam Yulia Volkova (a morena) e Lena Katina (a ruiva). Volkova, Katina... esses sobrenomes de mulheres russas são os melhores que existem, porque todos eles lembram muito aqueles nomes que nós, homens, costumamos dar para a... deixa pra lá.
E o destino parecia colaborar para isso. No dia seguinte, eu estava na casa de um colega meu, juntos com outros três ou quatro colegas nossos jogando video game. Enquanto dois jogavam e os outros esperavam a vez, o dono da casa resolveu ligar a TV pra ver o que passava. Quando passou pela MTV, advinha? All The Things She Said estava começando de novo. Aquela mesma apresentação, de novo! E eu tive uma reação totalmente adequada ao fato de que eu estava na casa de outra pessoa:

_ PARA AÍ FI! NÃO TROCA DE CANAL, DEIXA NA MTV E ASSISTE ESSA MÚSICA ATÉ O FINAL! TODO MUNDO! ASSISTE ESSA MÚSICA ATÉ O FINAL, EU TÔ FALANDO!

Isso mesmo, eu gritei igual um doido. Meus colegas não entenderam, mas acreditaram em mim e começaram a olhar a TV – exceto os dois que estavam jogando, que continuavam focados no jogo. Aí chegou aquele glorioso momento a partir do segundo 1:20. E eles tiveram a mesma reação que eu: aquela cara de cachorro em frente do açougue. Mas nossos outros dois colegas continuavam olhando pro video game. Até que um de nós os chamou, dizendo:

_ Fi... olha lá!



Eles olharam, e concordaram com a gente. Fizeram a mesma cara, sentiram a mesma coisa. O Kung Lao e o Sub-Zero podiam esperar. Eles, que tinham a minha idade, com certeza estavam sentindo a mesma coisa que eu. Algo que eles também não sabiam definir ou extravasar. Ou melhor, sabíamos como... mas não sabíamos exatamente por que aquela cena nos provocava tanta coisa.
É claro que, como moleques, todos nós já tínhamos vistos cenas como... bem, como aquela. Só que aquela cena parecia, sei lá, ser mais real. Não parecia ser mais uma daquelas tomadas dos filmes que costumávamos ver, que um diretor mandou duas mortas de fome fazer. Era uma cena que dava pra acreditar. E isso nós nunca tínhamos visto.
Depois dessa segunda vez, fiquei ainda mais fissurado no Tatu. Comprei o CD delas: 200Km/h in the Wrong Lane (a 200 Km/h no caminho errado). Quando traduzi esse título com ajuda do meu dicionário de inglês, pensei: “Nu, que doido! Além de tudo, elas ainda dirigem em alta velocidade por aí à toa.” Juro que pensei isso. Eu, na minha ingenuidade de um garoto que se excitava com um beijo na boca de duas lésbicas. Descobri ainda que Tatu vinha da palavra ruusa "Taty", que significa, mais ou menos, "essa (mulher) gosta daquela". Também traduzi a letra de All the things..., e entendi tudo. Realmente era pra valer. Nos próximos CDs, eu esperava que viessem mais músicas, mais clipes, mais beijos, roupas menores, e... deixa pra lá.

MAS... alegria de pobre dura pouco. Ainda mais de moleque pobre. Em outro belo dia, estava eu assistindo um programa de notícias musicais. De novo, eu estava dormindo acordado. E de novo, eu acordei. Mas desta vez, para uma notícia ruim. Ouvi o cara do programa dizendo alguma coisa sobre o Tatu e aumentei o volume. E para minha surpresa, o cara estava simplesmente dizendo que as meninas do Tatu tinham acabado de admitir que... elas não eram lésbicas. Que aquilo tudo não tinha passado de uma jogada de marketing do empresário, para enganar os moleques ingênuos adoradores de fantasias com lésbicas pelo mundo.

Eu pensei: “_ O quê? Então quer dizer que... depois de tudo aquilo... eu estava sentindo tudo aquilo por duas simples mulheres heterossexuais!”.
As integrantes do Tatu depois disseram que elas, realmente, não tinham nenhuma relação amorosa. Eram apenas duas amigas que se amavam. Amigas? Ah, que negócio mais chato, fi.

Mas aí eu pensei: bem, se elas não são lésbicas, isso quer dizer que, se um dia eu virar um milionário, fizer algumas cirurgias plásticas, viajar para a Rússia e me encontrar com uma delas, quem sabe uma delas (ou as duas) me dão bola, e aí eu não preciso mais ficar só na fantasia. Que beleza. Eu podia ter esperança. Isso me animou.

Só que o pior estava por vir: mais tarde, Yulia Volkova, a minha favorita, anunciou que estava grávida... grávida? Ora essa, não bastasse gostar de homem, ela ainda engravidou! E, ainda por cima, não foi comigo! Eu não poderia perdoá-la, jamais.

Me restava Lena Katina, a ruiva. Preferia a morena, mas ela também é boa. Já estava preparando para viajar para Moscou no ano de 2022 quando fiquei sabendo que ela, Lena, estava... para se casar! Ora essa, não bastasse gostar de homem, ela ainda casa com eles! E, ainda por cima, não era comigo! Também não poderia perdoá-la.

E aí foi uma punhalada atrás da outra. Logo depois Yulia anunciou que teria seu segundo filho. E em seguida, Lena casou-se. E antes de casar, ora vejam só, ela ainda cometeu o disparate de dizer que ela, desde pequena, é religiosa. Religiosa? Meu Deus do céu, era só o que me faltava, ela era religiosa. A menina que beijava a outra na boca vestida de colegial era religiosa!

Meus amigos, eu pergunto: em que mundo nós estamos hoje, em que um casal de meninas lésbicas acaba se transformando nisto: uma em mãe de família e outra em uma mulher casada e religiosa! Mas que decepção! E o que foi de nós, os moleques? Alguém pensou nos nossos sentimentos ingênuos e inocentes de ver duas moças se esfregando em público? NÃO!

O que mais falta elas revelarem agora, hein? Será que elas se casaram virgens? Será que elas fazem caridade nos fins de semana? Será que elas são professoras da escola dominical? Será que elas não bebem, não fumam? Agora, tudo é possível! Se bobear, vai ver que elas nem sequer andam a 200 km/h por aí...

Meu pobre coração ficou partido. Mas, se você é um moleque de 13 anos hoje, como eu fui, não se influencie pela minha mágoa. Aí vai outro vídeo pra você. Aproveite, enquanto você é ingênuo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário