terça-feira, 27 de julho de 2010

Análise da poesia "Dako é bão", de Tati Quebra-Barraco


Apesar de toda a grandiosidade que o conjunto da obra de Tati possui, me arrisco a dizer que "Dako é bão" representa a sua magnum opus.

Na primeira estrofe, a poetisa resgata uma cena cotidiana urbana marcada pelo caos, uma liquidação, simbolizando o próprio contexto histórico e cultural da época. O Rio de Janeiro dos anos 2000, tempo e espaço nos quais Tati compôs grande parte de sua obra, é uma cidade marcada pela violência urbana, da qual as grandes vítimas são as pessoas se origem humilde, moradoras dos morros - de onde, não por acaso, Tati é oriunda.

A expressão "queima de estoque", usada logo a seguir, faz menção justamente à violência que Tati certamente testemunhou quando criança e que refletir-se-ia posteriormente em seus escritos, sendo a palavra "estoque" usada aqui, possivelmente, como uma metáfora para descrever todas as espécies de sonhos, desejos e sentimentos das pessoas humildes do Rio de Janeiro, que acabam sendo "queimados" pelo caos social. Essa idéia é confirmada logo em seguida pela expressão "fogão na promoção", a qual Tati usa para denunciar a realidade carioca. A violência teria se tornado tão endêmica, tão ligada à vida das pessoas, que todos os meios para que ela fosse praticada eram, conscientemente ou não, através da negligência do poder público, facilitados e incentivados pela sociedade.

No entanto, fogão também pode simbolizar, neste contexto, uma luz no fim do túnel - uma chama que pode ser controlada pelas pessoas, uma chama que não está à mercê do caos. É aqui que o outro verso "escolhi da marca Dako porque Dako é bão" pôde ser inserido. A própria palavra "escolhi", que inicia o verso, já indica uma atitude de reação, de indignação perante a realidade social, mostrando que as pessoas devem lutar pelos seus interesses, a despeito do que a sociedade lhes impõe, deixando evidente a influência da filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre (1905-1980), que advoga que o ser humano é o último responsável pelo que acontece em sua vida através, justamente, de duas escolhas.

Essa idéia é confirmada pela continuação do verso, na qual o eu-lírico informa que escolheu a marca Dako tão somente porque "é bão" - ou seja, sem se importar com normas ou preconceitos social, atendendo apenas à sua própria vontade, seu próprio prazer, valorizando a auto-determinação do indivíduo, numa época em que as pessoas se sentem prisioneiras de sua situação social, naquilo que Marx chamou de "Materialismo histórico". A escola hedonista clássica grega também tinha um ponto de vista semelhante.

E por fim, Tati encerra com os esperançosos versos "Calma, minha gente, é só a marca do fogão". Se utilizando novamente da metáfora do fogão, a poetisa clama aos seus contemporâneos para que não percam a esperança na vida, no mundo e em si mesmos, argumentando que, por mais que a atualidade pareça apocalíptica, tudo é apenas "a marca do fogão" - ou seja, podemos ter esperança de que dias melhores virão, desde que se faça por merecer. A poesia como um todo é, portanto, um chamado à ação, um chamado ao resgate da integridade das pessoas, mas ela deixa claro que esse resgate só virá pela ação das próprias pessoas. Elas não devem esperar por ninguém. Elas devem reagir por si mesmas.